quinta-feira, setembro 29, 2005

"Quem não cita se trumbica".

É...O bicho tá pegando pro meu lado...O cachorro raivoso tá vindo atrás de mim babando e com vontade de morder a minha bunda, como fez com meu primo zé naquela estradinha de terra perto da minha casa lá em Petrópolis quando ainda éramos crianças. Naquele dia fiquei muito nervoso, eu sempre tive medo de cachorro. Mas quando relembro o episódio com meus primos, sempre damos gargalhadas e rimos da cara do Zé. Coitado do Zé. Seu erro foi ter corrido do cão, por isso ele o atacou. Se tivesse ficado parado, talvez o cão não o tivesse atacado. Ou tivesse atacado outro. Talvez tivesse ME atacado. Que bom que foi com o Zé... É...Mas agora o bicho tá pegando pro meu lado. Tô vendo o cachorro chegando, vejo a raiva em seus olhos vermelhos e a boca cheia de espuma e os dentes afiados à mostra, um cachorro todo preto que sente o cheiro do medo que exala dos poros dos que são mais covardes...Fico paralisado, esperando um milagre divino que me tire dessa situação por tantas vezes protagonizadas por mim...Mas agora acho que Deus não vem me ajudar...Não desta vez, agora ele quer que eu enfrente o cão. Ele quer que eu enfrente o meu medo de cara, como um homem...Ele deve estar pensando: "Agora não vou mais ajudar...Ou mata ou morre...Chega de ajudar meu filho querido...Agora ele vai ter que enfrentar...Vai ter que virar o homem que ele já é"...E eu aqui, de cara com o cão dos infernos, meu mais profundo medo, meu monstro de infância, a velha aterrorizante que aparecia nos meus piores pesadelos quando eu ainda era uma criança. Era só sentir a presença da velha que eu já ficava completamente desesperado e com muito, mas muito medo, e o sonho sempre terminava com a cara dela aparecendo pra mim e eu acordava gritando todo suado e depois não conseguia mais dormir por um bom tempo com medo dela aparecer de novo...A velha estava me esperando no mundo de Morfeu, sorrindo diabolicamente...E eu ficava acordado, com medo e sem ninguém para me ajudar...Às vezes eu ia pra cama dos meus pais e me enfiava no meio deles e dormia feliz...Eram as noites edipianas mais gostosas de toda a minha vida...Eu lá, no conforto da cama e da segurança da companhia dos meus pais...Lá eu dormia como nunca mais dormi...Na cama dos meus pais eu não tinha pesadelos...Às vezes, quando dormia sozinho, eu sonhava com elevadores que subiam ou desciam sem parar...E passavam da cobertura em direção ao desconhecido ou iam para o poço dos meus medos inconscientes e mais terríveis. Ainda tenho medo de elevadores...Medo de perder o controle, como diria minha ex-analista e segunda mamãe Manuela...Uma mulher gordinha que ficava lá, ouvindo o que eu tinha a dizer...Foi depois do incidente no parque da cidade que eu começei a ir lá...Era uma segunda-feira às nove da manhã e eu matando aula para ir fumar maconha com um amigo quando chega um carro de polícia do nada e me leva para a porta da minha casa...Lembro-me como se fosse ontem...Meu pai de pijama, minha mãe de camisola chorando e eu no carro dos porcos fardados tomado de culpa e vergonha...Meu pai deu uma grana pros porcos e eu entrei em casa...Só oito anos depois eu consegui deixar mamãe Manu e seguir a minha vida...Mas a velha ainda está aqui...E o cão continua lá me esperando...O conforto da cama dos meus pais eu não tenho mais. Já a segurança da casa deles...Acho que já é um passo...Mas não é tão confortável como antes...Tenho que seguir a minha jornada...Entrar na aventura que me foi designada e enfrentar os monstros e obstáculos até chegar ao pai que continua me acenando de sua canoa contente com a minha disposição em substituí-lo na temível aventura da vida e da terceira margem do rio que é onde a vida se encontra...A terra firme fica cada vez mais monótona e insuportável...E eu esperando o pai voltar para a margem, mas ele está decidido a ficar em sua canoa. Eu é que tenho que chegar até ele, não ele a mim...Ele já fez o que ele tinha que fazer e substituiu seu próprio pai. Agora está na minha vez. Que venham os cães e monstros e velhas. Estou pronto para a vida!

Um comentário:

Anônimo disse...

"tudo sentir total é chave de ouro do meu jogo"
Waly Salomão
é isso aí