terça-feira, setembro 13, 2005

porque escrevo

eu não escrevo por prazer. escrevo como quem morre, como quem acaba de ser arrancado os testículos. escrevo depois de ter levado um soco na cara e me ver com a cara desfigurada e sentindo em minha lingua o que restou dos poucos dentes despedaçados. escrevo depois ser cortado o corpo todo com estiletes e ser jogado em uma bacia de alcool e sal grosso e tacado fogo. escrevo gritando de dor ao ser pendurado com uma corda pelos cabelos (o que restou deles) e descido lentamente até encostarem os dedos do pé nas lavas de um vulcão. suplico, imploro mais um pouco de dor!!! e sou puxado de volta somente com os cotocos do que restou das pernas e amarrado pelas mãos em um Grand Cherokee e arrastado a toda velocidade pela areia do deserto em volta do vulcão e por sobre cactos e espinhos. escrevo sem esperança alguma no mundo. escrevo descrente, amargurado e com raiva pelo óleo derramado por sobre a baía de guanabara. escrevo somente com um olho que restou e me vejo parado em frente a uma árvore. árvore já sem vida alguma, seca, completamente seca. o sol impiedoso e vil vingador. e lá me pregam como a um Cristo. escrevo como um fariseu, como um romano, um judas! e os pregos estavam fervendo e o sol está forte. mal sinto ele na minha carne cheia de escoriações. o suor misturado ao sangue me desce pela pele. o Grand Cherokee se vai. e eu fiquei só. só? tem uns urubus passando aqui em cima. escrevo como carniça fedorenta. ih! tá vindo um aqui na minha direção. pousou ao lado do meu braço e está comendo aos poucos a carne que restou ao redor da mão. escrevo com urros e berros e gargalhadas enlouquecidas! um rato do deserto veio, e para minha maior alegria me subiu pelos pedaços de perna e me comeu o que tinha restado do saco escrotal e do pau. escrevo como quem quer se libertar. e estava quase livre! acabou? não! quero um pouco mais de dor!!! quero um pouco mais de perdão! supliquei e como por um milagre veio um faminto e lindo lobo do deserto trazendo consigo a vingança de toda sua raça - o libertador, o salvador! com grande esforço e sons de moedor de carne ele arrancou da árvore dilacerando os membros e foi jogada ao chão aquela massa disforme de ser inumano que um dia foi eu - e lambendo os beiços a roeu até os ossos lentamente até um suspirar aliviado se esvair. escrevo então sem ossos. sem mãos. sem carne: sem vida! escrevo espírito!

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