sábado, setembro 24, 2005

Por que não me mato?

Querido Anônimo,

Finalmente recebo uma resposta, um comentário, uma provocação. Desde já, muito obrigado. Já estava começando a me sentir sozinho aqui. Além de tentar descobrir furos no sistema de minha própria estrutura racional, como já disse antes, escrevo neste espaço para provocar. Finalmente consegui o que queria. Aleluia! Sem mais, vejamos.

Continuo achando o tempo subjetivo, ainda que observe meus cabelos caindo, minha juventude se esvaindo e a fila do INSS cada vez mais perto. Mas como explicar para alguém sobre a natureza ilusória do tempo se este alguém acredita piamente na ciência? Vivemos em tempos sombrios, onde a Filosofia, que outrora trabalhava como empregada doméstica da Teologia, agora arrumou um empreguinho de merda na casa da ciência, e ainda por cima, ganhando bem menos. Esta última é quem manda agora. E quer controlar tudo. Quer conhecer tudo, mesmo depois de Kant a ter colocado em seu devido lugar. Dizem por aí que vivemos em tempos de crise, onde não há mais certezas, onde o final feliz dos contos de fada é tido como histórinhas de ninar, onde a crise da razão é o postulado a priori e o que impera é o niilismo. Tudo besteira! A nova geração prefere Nietszche a Kant, Sartre a Platão. Leiam Kant! Pois se não leram Platão, como querem entender Nietszche? Aliás, o bigodudo alemão que morreu maluco acreditou piamente na ciência e nos colocou na periferia do universo, nos tirou do centro e agora cá estamos, vivendo neste planetinha de merda jogados na existência como seres para a morte, Seres-aí afundando na lama do nada e do desespero. O bigodudo mestre da desconfiança morreu na praia, pois não compreendeu a mensagem que habita por detrás do símbolo, a realidade descrita nos mitos, a eternidade celeste que se encontra nas metáforas de todas as religiões e na verdadeira arte. A ciência quer banir do mundo a dúvida, a incerteza, o mistério, quer controlar até a morte, esta senhora absoluta do desconhecido, adiando a "vida" de indivíduos indefinidamente como vegetais apodrecendo nos leitos de hospitais lotados de jovens e cheios de vida pela frente. O que importa não é a comunidade, mas o ego, o indivíduo que acredita que a morte do corpo é o fim de todo o seu ser. Querem eternizar o indivíduo e se esquecem de que a eternidade se encontra aqui e agora, o espírito batendo na porta da mente presa em sua estrutura espaço-temporal, sussurando bem silencioso como a dizer: "Estou aqui". Este indivíduo não consegue perceber que participa da energia da vida atemporal, e não concebe um estado anterior ou posterior à sua própria vida corporal. Esta é a tragédia da vida, que foi anunciada e belamente representada pelo povo grego e resiste até hoje na literatura moderna. É necessário uma mudança de foco, onde o indivíduo não seja mais a razão de tudo, o ponto-de-vista mais privilegiado. Quando vamos começar a privilegiar a comédia, e, nas palavras de Joseph Campbell "sua natureza mais elevada que a tragédia, que manifesta uma verdade mais profunda, de percepção mais difícil, de estrutura mais sólida e de revelação mais completa?" Ainda nas palavras de Campbell: "A mente meditativa está unida na representação de mistérios, não com o corpo cuja morte é apresentada, mas com o princípio de vida contínua que por algum tempo o habitou e que, durante esse tempo, foi a realidade revestida na aparência, o substrato em que o nosso eu se dissolve quando a tragédia que desfigura a face do homem despedaça, esmaga e dissolve nossa capa mortal". Lindo! A natureza nos dá o exemplo, onde vemos em qualquer selva criaturas se alimentando da morte de outras vidas, perpetuando o teatro do eterno retorno. Quando damos ênfase ao indivíduo e não a comunidade, quando entendemos as escrituras ao pé da letra e não metaforicamente, o que acontece é o que está nas páginas de todos os jornais atualmente. Um bando de idiotas no oriente que não conseguem perceber que o "Seu" Deus é o mesmo que o Deus do outro, lutando por "terras sagradas", quando a verdadeira mensagem é que a "terra sagrada" é o lugar onde você está sempre. Onde o "amar ao próximo" só é respeitado dentro de sua própria comunidade, onde os recursos naturais só existem para satisfazer suas necessidades imediatas, e não a comunidade humana por inteiro e as gerações futuras. A comédia nos fala da natureza eterna e invencível da própria energia da vida, onde o indivíduo se identifica não com a sua natureza corpórea e mortal, mas com a vida que insiste em sobreviver eternamente.
Ouvi outro dia uma história pelas palavras de um jovem instrutor de práticas orientais que era mais ou menos assim: Um velho foi procurar um mestre zen alegando estar doente. Após ter ouvido as lamúrias e lamentações do velho, o mestre respondeu mais ou menos assim: "Ora, você já está velho. Já viveu, se casou, teve filhos. Está na hora de morrer. Aceite isso". Por fim, respondendo ao meu caro amigo desconhecido, não me mato por que a morte é o que dá sentido a vida, é a grande inspiradora da Filosofia e que nos une a eternidade. A experiência da eternidade se encontra aqui e agora, não em outro mundo.

Por hora é só. Que venham mais provocações.

4 comentários:

Anônimo disse...

Eu não quero que você se mate, literalmente.Esse texto é bem mais vivo que o outro.No outro haviam sombras que me incomodaram.Talvez em outro momento eu fosse gostar mais dessas sombras do que ontem,mas,de qualquer modo,saiba por enquanto que eu não sou tão anônimo assim.Mas quando eu te vi você não tinha cabelos brancos.Também está careca?"É dos carecas que elas gostam mais"

Anônimo disse...

O tempo é o senhor da vida

A eternidade a senhora da morte



Enquanto isso

sou o senhor absoluto

daquilo com que luto



Mesmo que perca

a taça

os louros

enfim

as batatas

serão minhas

Anônimo disse...

como é que você sacou qu era eu o anônimo?

Anônimo disse...

esse texto faz um sentido, e brilhante a última frase. Concordo com o anônimo em seu primeiro comentário, sobre o "Tempo". acho agora pertinente, mas o outro texto, nao faz sentido. concord com esse e com o primeiro texto do anônimo. em ambos vi alguma filosofia de verdade. e acho que o conceito de eternidade vale para os velhos e os jovens, do contrário isso tudo que você disse nao faz sentido. sempre é agora, por isso o espírito se mantém jovem, desde sempre. fora isso, vou continuar tentar a chupar meu próprio pau. beijos a todos. (escrevo com pressa)